quarta-feira, 31 de maio de 2017

A Bela e Árdua Arte de Deixar Ir

Estamos cansados de ouvir que a única constante é a mudança. Não importa onde estamos, ou em que época estamos, algo se mantém imutável: o facto de as coisas estarem sempre em mudança.
Independentemente das crenças ou do grau de informação e formação de cada um, todos conseguimos ver que as coisas estão sempre a mudar. É só olharmos para o dia que se transforma em noite, que por sua vez, se transforma em dia e assim sucessivamente.
Ainda assim, face à óbvia realidade da impermanência, teimamos em querer que algumas coisas sejam para sempre. Isto deve-se à nossa mente dualista que desde sempre tem sido programada a desejar umas coisas e a ter aversão a outras. Somos treinados a dividir tudo que existe em duas categorias – bem e mal – e é exactamente essa a fonte do nosso apego e sofrimento.
Se tomarmos como exemplo o dia e a noite e se supusermos que metade das pessoas desejasse sempre que o dia durasse para sempre e a outra metade desejasse que a noite nunca terminasse, em primeiro lugar acharíamos isso absurdo e em segundo lugar viríamos que ou metade das pessoas estaria em sofrimento constante se o pedido de uns fosse aceito ou que todas as pessoas sofreriam metade do tempo, visto que a vida tem as suas próprias leis e não segue as preferências de ninguém.
Este segundo caso é o mais aproximado à nossa realidade quotidiana. A maior parte das pessoas sofre durante a metade do tempo porque a vida continua a trazê-las coisas que não são a sua preferência e continua a retirar-lhes coisas que elas queriam que permanecessem para sempre.
O exemplo do dia e da noite é extremamente básico, porém elucidativo. Se achas que faz sentido, mas que não se aplica a ti, só precisas pensar nos relacionamentos que insistes em manter na tua vida, mesmo os que já não te fazem bem, nem contribuem para o teu bem-estar ou crescimento pessoal. Esses relacionamentos podem ter sido de grande importância para ti durante muito tempo e por isso estás eternamente grato a essas pessoas. Isso é perfeitamente justo e lógico, mas olha para eles de novo; alguns deles já perderam a sua essência e propósito originais. Alguns deles até mesmo já se tornaram tóxicos e nocivos à tua paz de espírito e bem-estar interior.
Sim, é natural que haja tristeza no momento de mudança. Sim, é natural que tenhas pena que as coisas já não sejam como um dia foram. Sim, é natural que desejes que as coisas sejam diferentes. Contudo, não é assim que a vida é. Há algumas leis pelas quais o universo se rege e uma delas é a da impermanência. Todas as coisas passam.
Mas espera aí! Não precisas ficar desencorajado(a). Isso não tem de ser uma coisa má. Tudo depende da maneira como tu encaras as coisas. Imagina se tivesses uma dor de cabeça que nunca mais passasse? Imagina que estivesses numa situação desagradável para sempre? Exactamente! O problema não é a impermanência ou a mudança. O problema é o desejo da mente, até certo ponto natural, mas absurdo, de que algumas coisas durem para sempre e algumas não.
O problema está no facto de querermos mudar as leis da vida e acabarmos sempre frustrados e em sofrimentos ainda maiores. Portanto, olha mais uma vez para a tua vida, para as tuas relações, para as situações e vais te aperceber ou recordar que as coisas estão sempre em mudança; que não adianta tentar mudar a realidade, não adianta nadar contra a corrente, mas adianta sim mudar a forma como encaramos a impermanência, isto é, com aceitação, com paz, com graciosidade.
Os místicos dizem que a própria vida é uma grande preparação para a morte. A arte de viver é, em outras palavras, a arte de aprender a morrer. Por mais sombrio que isto possa soar, esta é na verdade uma das coisas mais belas que podemos imaginar. Se tivermos a humildade suficiente, veremos que as nossas vidas não estão inteiramente nas nossas mãos, parte dela é e sempre será um mistério e fora do nosso controle. Se vivermos a nossa vida com totalidade, consciência, aceitação e com a arte de deixar ir, quando o momento da nossa morte chegar, certamente vamos ser capazes de deixar a própria vida ir-se e nos dirigirmos ao novo mistério, que é a morte, com elegância e paz.
O facto de aceitarmos que as coisas devem e vão sempre mudar só beneficia a nós próprios. É um passo difícil no início e até mesmo durante todo o processo de aprendizado ao longo da nossa jornada, mas vale sempre a pena. A arte de deixar ir, como qualquer outra arte, deve ser cultivada, praticada e aperfeiçoada a cada dia. Como qualquer arte, requer muita entrega e dedicação, mas como qualquer arte é algo bonito de se experimentar e observar quando está no ponto certo.
Por isso, vive cada momento com intensidade, com todo o teu ser e quando chegar a altura, deixa ir. Chora se necessário, sorri se possível. Agradece pelo que foi bom e pelas lições que as coisas menos boas trouxeram. Em todo o caso, sê sempre um(a) artista e refina a cada dia a bela e, por vezes, árdua Arte de Deixar Ir.

LP Akshar Almeida
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